Transtorno alimentar precisa de acompanhamento psiquiátrico

Os transtornos alimentares surgem com grande frequência na infância e na adolescência e estão relacionados ao adoecimento mental. O diagnóstico precoce e uma abordagem terapêutica adequada são fundamentais para o manejo clínico e o prognóstico

 

Embora a causa exata para o surgimento de transtornos alimentares seja desconhecida, eles podem ser influenciados por alguns fatores, como os biológicos (funções hormonais irregulares, genética, deficiências nutricionais) psicológicos (autoimagem negativa e baixa autoestima), ambientais, ou mesmo clínicos (desnutrição, anemia, alterações endócrinas, osteoporose e perda significativa de líquidos corporais).

Mas a associação com quadros psiquiátricos é bastante frequente, especialmente relacionadas a transtornos de humor, de ansiedade e/ou de personalidade. De acordo com o psiquiatra Lucas Alves Pereira, presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia (APB), além do acompanhamento de médicos especialistas, como o endocrinologista, e outros profissionais de saúde mental, é imprescindível o acompanhamento psiquiátrico, uma vez que os transtornos alimentares podem comprometer significativamente a qualidade de vida e levar a sequelas graves, inclusive ao óbito. “Os transtornos alimentares estão relacionados ao mau funcionamento cerebral e, por conseguinte, ao adoecimento mental”, reforça o psiquiatra.

 

Fatores psicossociais influenciam

Evidências sugerem que fatores psicossociais desempenham um importante papel na distribuição dos transtornos alimentares. A "cultura do corpo" e da pressão para a magreza na população feminina (especialmente as adolescentes) parece estar associada com o desencadeamento de determinados transtornos. “Esse aspecto cultural pode se configurar como fator de risco psicológico e epigenéticos que, em resumo, é um fator ambiental que desencadeia expressões genicas relacionadas à origem dos transtornos”. Podem correr esse risco pessoas que exercem profissões que exigem leveza para melhorar o desempenho, como ginastas, jockeis, patinadores, bailarinas, e pessoas que buscam ser esbeltas para “comercialização” da imagem, como modelos e atrizes.

 

Os tipos de transtornos alimentares

 

Anorexia nervosa, na sua forma típica, se inicia geralmente na infância ou na adolescência, geralmente entre os 14 e os 17 anos. No inicio, ocorre uma restrição dietética progressiva, com a eliminação de alimentos considerados "engordantes", como os carboidratos. Nesse transtorno, a pessoa passa a apresentar certa insatisfação com o seu corpo e a se sentir obesa. “O medo de engordar é uma característica essencial, servindo, muitas vezes, como um diferencial para outros tipos de anorexia secundárias e doenças clínicas ou psiquiátricas. O padrão alimentar vai se tornando cada vez mais secreto e muitas vezes até assumindo características ritualizadas e bizarras”, esclarece Dr. Lucas.

 

 

Bulimia nervosa ocorre principalmente em mulheres jovens e adolescentes. O episódio de compulsão alimentar é o sintoma principal e costuma surgir no decorrer de uma dieta para emagrecer. Inicialmente, pode-se pensar que é relacionado à fome, mas, posteriormente, quando o ciclo compulsão alimentar-purgação já está instalado, ocorre em todo tipo de situação que gera sentimentos negativos (frustração, tristeza, tédio, solidão).  Um aspecto comportamental desse tipo de transtorno é comer uma quantidade exagerada de comida; e um componente subjetivo é a sensação de total falta de controle sobre o seu próprio comportamento. “Os episódios ocorrem às escondidas, na maioria das vezes associados ao sentimento de vergonha, culpa e desejo de autopunição”, revela o psiquiatra.

Transtorno da compulsão alimentar periódica é caracterizado por episódios de comer grandes quantidades de comida em intervalos curtos de tempo, com sensação de perda de controle sobre o ato de comer e, em seguida, arrependimento de ter comido. Esses episódios são referidos na literatura internacional como binge eating.

 

Transtornos alimentares na infância

Existem transtornos alimentares que ocorrem precocemente, na infância, e que representam alterações da relação da criança com a alimentação e, normalmente, acontece antes dos seis anos de idade. A criança tem dificuldade em se alimentar adequadamente, levando à perda de peso ou a uma falha em ganhar peso de forma apropriada. Os transtornos mais comuns nessa fase são:

Pica, picacismo ou alotriofagia - é a ingestão persistente de substâncias inadequadas, como terra, barro, cabelo, cinzas de cigarro e fezes de animais.

Transtorno de ruminação - é caracterizado por episódios de regurgitação repetidos que não podem ser explicados por nenhuma condição médica.

 

Diagnóstico

O diagnóstico de transtorno alimentar deve ser feito por um médico psiquiatra, que vai avaliar a duração, a intensidade e a frequência dos sintomas, mas é importante também um diagnóstico diferencial, tanto de doenças físicas como psiquiátricas. “Tendo em vista que os transtornos alimentares surgem com grande frequência na infância e na adolescência, o profissional de saúde envolvido com o atendimento deve estar bem familiarizado com suas características, pois o diagnóstico precoce e uma abordagem terapêutica adequada são fundamentais para a melhora do prognóstico”, orienta o psiquiatra.

 

Tratamento

Dr. Lucas explica que é muito importante a integração das abordagens médica, psicológica/psicoterapeuta e nutricional, e que a equipe multiprofissional deve trabalhar de forma integrada. “Isso é a base do tratamento e fundamental para o sucesso terapêutico”.

O tratamento pode ser ambulatorial quando a pessoa tem um bom suporte social, não está perdendo peso rapidamente, encontra-se metabolicamente estável e não apresenta critérios de gravidade.

Mas pode ser necessário internação hospitalar se o peso corporal estiver abaixo de 75% do mínimo ideal, ou quando se está perdendo peso rapidamente, ou quando se faz necessária uma monitorização adequada das condições clínicas.

O psiquiatra destaca que antidepressivos ou ansiolíticos podem ser indicados para pacientes que desenvolvem comorbidade psiquiátrica associada, apesar de não existir um agente farmacológico específico. “O emprego destas substâncias deve ser cauteloso, tendo em vista as frequentes anormalidades clínicas associadas”.

 

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