Jovens médicos cientistas baianos vêm ganhando destaque internacional

Pesquisador revela que a Bahia sempre foi referência no Brasil como polo formador de médicos cientistas de grande relevância nacional e internacional

 

Uma nova safra de jovens médicos cientistas tem chamado a atenção na Bahia pela excelência dos trabalhos desenvolvidos, muitos deles publicados em revistas internacionais. Embora não haja um forte crescimento no número de novos profissionais da medicina dedicados à área científica, a experiência mostra uma diferença favorável aos graduandos que se vincularam a pesquisadores e foram estimulados a desenvolver projetos de pesquisa, com resultados promissores.

Um dos principais incentivadores na área, o professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz/Bahia), Bruno de Bezerril Andrade, enfatiza que toda a prática médica é fundamentada em conhecimento gerado por ciência. “Dos testes diagnósticos aos tratamentos, tudo o que fazemos é baseado em conhecimento científico. Então, há, sim, um interesse permanente na ciência médica. O que ocorre é que a falta de sistematização na graduação, junto com baixos salários de profissionais de vida acadêmica em relação aos dos médicos assistencialistas causa uma desvalorização desta atividade”, esclarece. Desta forma, segundo ele, o médico recém-formado prefere exercer outras funções e procura atividades mais rentáveis.

Segundo Bezerril, que é doutor em patologia humana pela UFBA e pós-doutor pelo Laboratory of Parasitic Diseases, do National Institutes of Health (EUA), faltam também investimentos para a formação de médicos cientistas, e, ao longo dos últimos anos, houve um desmantelamento dos principais mecanismos de financiamento de ciência no Brasil em geral, e a área médica não foi uma exceção. “Com reduzido investimento em pesquisa, a formação de médicos cientistas é certamente afetada, pois não há como formar estes profissionais sem investimentos em projetos de pesquisa”, informou.

 

Bruno Bezerril, professor e pesquisador da Fiocruz/Bahia

 

 

Mas, apesar das adversidades, a Bahia, segundo ele, sempre foi referência no Brasil como polo formador de médicos cientistas de grande relevância nacional e internacional. “Nós estamos observando uma continuidade deste processo, com excelentes estudantes de medicina se destacando pela produção de conhecimento robusta. Apesar disto ser um cenário fantástico, o número destes estudantes ainda é pequeno quando relativizado pelo grande número de formandos a cada ano. Um desafio importante é expandir os programas e fomentar ainda mais o desenvolvimento das carreiras de médicos cientistas”, destacou.

A influência do professor Bruno de Bezerril Andrade tem gerado bons resultados, com vários jovens cientistas sob sua orientação, como o soteropolitano Caian de Azevedo Vinhaes, 28 anos e 23 artigos publicados, na base PubMed, em periódicos internacionais. Sua linha de pesquisa é voltada ao entendimento de vias imunopatogênicas associadas à tuberculose, HIV, Síndrome de Reconstituição Imune e aspectos mais gerais das doenças inflamatórias.

“Sempre fui uma pessoa muito curiosa e inquieta, e busquei respostas para tudo. O contato logo cedo com o professor Bruno me deu a oportunidade de mergulhar no universo científico que, a priori, não tinha noção do que se tratava. Essa inquietação e esse contato precoce com a ciência e a busca por mecanismos para encontrar respostas foi o que o que gerou e alimentou meu interesse na área científica”, declarou Dr. Caian.

O maior obstáculo para a ciência médica de ponta no país é, para ele, a falta de divulgação da informação e de sensibilização das pessoas para entender a importância de se fazer medicina baseada em evidências, além de investimentos. Dr. Caian acredita que a maioria dos médicos, não apenas os jovens, não se interessa pela área cientista, e isto ocorre em todo o mundo.

Para chegar a um nível avançado, ele destaca a importância do estímulo e da motivação, com a sensibilização cedo da importância da ciência. Hoje, em conjunto com a residência médica em Infectologia, mantém sua produção científica em paralelo, e foi aprovado no Doutorado em Medicina e Saúde Humana da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, com tese focada nos determinantes moleculares de falha terapêutica e desfechos desfavoráveis em pacientes com tuberculose.

 

Conectados

Com 32 anos e morando na capital paulista, onde faz residência em Oncologia Clínica, o médico Leonardo Gil Santana acredita que a área científica é a base para todo o conhecimento. “Como médicos, devemos estar sempre conectados com o que a ciência nos diz, entender os estudos e o que temos de novo para fazer melhorar a nossa prática clínica”, afirmou.

Santana atuou em diversas linhas de pesquisas em doenças infectocontagiosas, como tuberculose, HIV e leishmaniose, tendo colaborado com vários pesquisadores nacionais e internacionais, bem como com instituições como o National Institute of Health (NIH).Teve 13 publicações em revistas internacionais, sendo referência, inclusive, para outros artigos internacionais importantes. Fez estágio de iniciação cientifica, ao lado de Bruno Bezerril, durante quatro anos, sendo dois deles como bolsistas na Fiocruz-Bahia.

“Hoje, o conhecimento que tenho tento aplicar na minha área, na qual estou fazendo a especialidade, que é oncologia, em um hospital que desenvolve bastante o lado científico dos profissionais de saúde. Nesse momento, meu objetivo ainda é, nos próximos três anos, concluir a residência e depois seguir para um mestrado e doutorado na área”, informou o médico.

Para Leonardo Gil Santana é preciso dedicação, continuar tentando, e aprender com os melhores, buscando se conectar com pessoas que estejam dispostas a te ajudar no caminho, sem esquecer que muito do que acontecerá depende de cada um e do seu esforço.

Outro destaque é a jovem Beatriz Duarte, 25 anos, que nasceu em Salvador, mas foi criada na cidade de Irecê, no interior da Bahia. Em 2020 foi aprovada no MD-PhD da UFRJ, um programa de pós-graduação em clínica médica, cujo objetivo é formar jovens cientistas. Atualmente, com todos os créditos do doutorado cumpridos, está com previsão de qualificação e defesa até o mês de novembro deste ano, concomitantemente com a conclusão da graduação. E ela já tem pós-doutorado planejado com a Vanderbilt University.

O seu processo de formação cientifica ocorreu através da Fiocruz-Bahia, onde foi estudante de iniciação cientifica voluntaria e bolsista CNPq nos anos consecutivos. Com 17 artigos publicados em revistas internacionais, e outros cinco em fase final de revisão, o seu principal foco diz respeito a doenças infectocontagiosas, especialmente tuberculose, suas implicações imunológicas e epidemiológicas. “Acredito que todos nós nascemos cientistas natos, curiosos, mas como essa curiosidade é incentivada faz toda a diferença. Tive a sorte de ter uma família que incentivou minha curiosidade”, afirmou a jovem.

Para Beatriz, falta fomento para a carreira. “Acaba sendo difícil se ver como cientista em tempo integral diante das dificuldades de financiamento e oportunidades. O médico se torna assistencialista predominantemente e cientista como hobby, o que não fornece a ele um ambiente adequado para se dedicar tempo o suficiente para essa atividade”, citou. Ela acredita que também há uma falha na formação, já que o contato com pesquisa na universidade, segundo ela, é “frustrante”.

No momento, Beatriz tem desenvolvido múltiplos projetos, na área de doenças infectocontagiosas com ênfase em HIV, tuberculose e Covid-19, a maioria com colaborações internacionais como a Cornell University, National Institutes of Health (NIH), Johns Hopkins School of Medicine e Vanderbilt University. Além disso, desenvolve um projeto voltado para educação médica, cujo objetivo é despertar o interesse científico em outros estudantes da área. “Fundei a startup Smart Skills In Medicine, focada no diagnóstico e desenvolvimento curricular dos estudantes de medicina, baseada nos baremas curriculares de todos os processos de seleção para residência médica do Brasil”, informou.

A cientista diz ter três grandes propósitos na vida. O primeiro, é poder influenciar, incentivar e fomentar a formação de novos médicos cientistas, especialmente mulheres. O segundo, é tornar a ciência acessível e amplamente aplicada pelos médicos do Brasil. O terceiro, é utilizar as pesquisas que realiza para transformar em políticas públicas, a fim de que possam melhorar o cuidado dos pacientes.  “Esse é o verdadeiro motivo da ciência médica existir, aprimorar o cuidado”, destacou.

 

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