Síndrome de Burnout: cuidador também precisa de cuidado!

Em janeiro deste ano, editorial da revista The Lancet – sob o título “Suicide among health-care workers: time to act” [“Suicídio entre trabalhadores de saúde: tempo para agir”] - afirma que, no Reino Unido, a Síndrome de Burnout (SB) atingiu proporções epidêmicas entre os médicos e que o problema não é exclusivamente britânico. Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma taxa de suicídios de 400 médicos por ano – número duas vezes maior que o de ocorrências entre a população geral.

No Brasil, pesquisas mostram que 45,8% dos médicos relataram sintomas da síndrome em algum momento de suas carreiras. Às vezes, cedo demais, como demonstrou Dra. Ana Teresa Santos em seu estudo realizado, em 2010, com 313 internos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Fameb/Ufba). “Concluímos que 14% desses estudantes sofriam de Burnout”, revela. A médica explica que, se considerados somente um ou dois aspectos que compõem o quadro da doença, esse número seria muito mais elevado. “Observamos 63,6% dos estudantes com alto score na subescala exaustão emocional e 53,4%, com descrença. Mas somente 18,6% dos internos apresentaram baixo score na subescala eficácia/realização profissional, sinalizando que ainda têm ‘esperança’ na vida profissional”, detalha.

Burnout deriva da expressão em inglês ‘to burn out’, que significa “queimar”. A síndrome - originalmente descrita por Herbert J. Freudenberger, em 1974, e posteriormente por Maslach, & Jackson, em 1981, e por Schaufeli, em 2002 -,  caracteriza-se por uma dimensão tri-fatorial, sendo identificada quando coexistem Exaustão Emocional alta, Descrença alta e Eficácia Profissional baixa, com sintomas como esgotamento emocional e físico, despersonalização ou cinismo, manifestando-se, por exemplo, pelo endurecimento afetivo, isolamento social e tentativa de culpar o outro por suas frustrações; baixa realização pro­fissional e autoconceito negativo.

 

 

Corpo a corpo

De modo geral, os mais afetados são médicos que atuam na linha de frente do acesso aos cuidados. Neste grupo estão clínica médica, medicina de urgência e emergência e medicina de família e comunidade, segundo estudo publicado pelo jornal científi­co Archives of Internal Medicine em 2012.

Membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Dr. William Dunningham, concorda. A precarização do trabalho, o sentimento de impotência e a frustração com a prática médica são apontados por ele como vilões da saúde mental do médico. “O indivíduo entra na faculdade sonhando com uma capacidade de resolução e se defronta com situações que não pode dar conta. O acúmulo de trabalho também gera um estresse robusto e o sentimento de impotência frente aos problemas que ele não pode resolver correm na contramão da expectativa gerada durante a formação. A realidade concreta é outra”, adverte o professor de Psiquiatria da Fameb/Ufba.

Mudança de cultura

A preocupação com o crescente aumento de SB entre médicos levou o Conselho Federal de Medicina (CFM) a priorizar o tema em sua agenda e destacá-lo no I Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina 2017 (I ENCM 2017). Em parceria com sociedades de especialidades, a autarquia objetiva desenvolver um plano de ação para reduzir a incidência de casos de esgotamento pro­fissional na categoria.

Com a experiência de ser a responsável pela criação e coordenação, durante três anos, do Núcleo de Assistência Psicopedagógica na Fameb/Ufba, Dra. Ana Teresa acredita nessas estruturas como ferramentas de prevenção. “O trabalho na Fameb é mais recente, mas temos experiências importantes em faculdades de São Paulo e aqui mesmo, na Escola Bahiana de Medicina, que fazem um trabalho preventivo com os estudantes. Mas é preciso mudar as estruturas”, acredita, referindo-se à saúde real do médico, sua qualidade de vida, condições de trabalho e interrelações, que merecem uma observação mais acurada.

Essa saída também é apontada por Dr. Dunningham. Segundo ele, as entidades estão atentas ao problema, pois sabem que isso interfere na qualidade da assistência médica. Ele, no entanto, alerta para um impedimento importante nesse processo de recuperação dos profissionais já atingidos pela SB: o tabu sobre os transtornos mentais. “É mais fácil falar sobre antibióticos do que sobre depressão. A ABP está atenta e existem iniciativas no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, mas a Sociedade Baiana de Psiquiatria vem estudando uma forma de trabalhar o problema”, revela ele, que defende a realização de campanhas para se falar sobre o problema de forma clara e objetiva, assim como ocorre com o Setembro Amarelo, quando a população é alertada sobre o suicídio.

“As escolas médicas precisam ter um olhar humano para com seus alunos e um olhar específico para a saúde mental deles, abordar formas sobre como suportar os avassalos do sistema e não adoecer com eles. Isso vai formar um profissional mais sólido, consistente, regido pelos pilares da ética, competência, habilidade e humanismo”, finaliza Dra. Ana Teresa.