Obesidade: excesso de peso é uma das principais causas de câncer

O excesso de peso corporal é hoje um dos principais riscos para o desenvolvimento de câncer no país, sendo apontado como responsável por 13 em cada 100 casos da doença, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Estudos demonstram que, para crescer, a célula cancerígena precisa de hormônios. Paralelamente, outras pesquisas mostram que o tecido adiposo é responsável por uma maior produção de pré-hormônios . Assim, pessoas com  maior quantidade de tecido gorduroso, principalmente mulheres na pós-menopausa, têm essa célula mais estimulada”, explica Graziela Brandão, coordenadora de nutrição da clínica AMO.

Segundo a endocrinologista Leila Araújo, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a obesidade androide é a mais preocupante. “Trata-se da gordura localizada no centro do corpo. Esse tipo apresenta uma célula que expressa diversos fatores inflamatórios, conhecidos pela imunologia em cânceres. São eles o TNF-alfa (fator de necrose tecidual-alfa) e várias interleucinas, que são citoquinas envolvidas com o aparecimento de neoplasias. Essas substâncias são naturalmente expressas pela célula gordurosa, especialmente a do abdômen”, alerta.

Dra. Leila conta que recentemente conheceu material produzido pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) que mostra a epidemiologia da obesidade com cânceres. “Ele revela quase metade dos riscos de câncer estão ligados à obesidade. Outra grande parte está relacionada ao fumo, enquanto uma pequena porção refere-se a outros fatores”.

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Ainda que a gênese do câncer resida em diversos fatores, vasta evidência científica, corroborada pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, da OMS, comprova que o excesso de gordura corporal representa risco para o desenvolvimento de pelo menos 13 tipos de câncer, como esôfago (adenocarcinoma), estômago (cárdia), pâncreas, vesícula biliar, fígado, intestino (cólon e reto), rins, mama (mulheres na pós-menopausa), ovário, endométrio, meningioma, tireoide e mieloma múltiplo.

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Estudo regional coordenado pela endocrinologista ainda aponta que em um universo de 1.585 pacientes obesos com câncer em Salvador, 68% eram mulheres. Entre elas, destacaram-se as neoplasias de mama (45%, colon (10,4%), ovário (8,8%), pâncreas (5,8%, sistema respiratório (4,6%, reto e canal anal (4,2) e útero (4,3%). Entre os homens, observou-se a ocorrência da doença no cólon (19%), próstata (11%), sistema respiratório (11%), esôfago (9%) e estômago (9%).

Uma epidemia

A troca de alimentos frescos preparados de forma tradicional por comidas processadas está diretamente ligada ao aumento da população obesa. O tradicional feijão com arroz, saladas, frutas e sucos naturais vêm gradativamente sendo substituídos por alimentos práticos, rápidos, processados, o que acaba por gerar uma epidemia de obesidade em todo o mundo. Impostos mais altos para produtos desse tipo, porções mais modestas e adoção de rótulos mais claros quanto à quantidade de gorduras saturadas, açúcares e sódio foram medidas adotadas por alguns países para o enfrentamento do problema.

O Brasil, no entanto, ainda carece de políticas públicas nesse sentido. Essa foi uma das razões encontradas pelo Inca para o lançamento, em agosto deste ano, do documento “Posicionamento do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva Acerca do Sobrepeso e Obesidade”.

“O relatório vê a obesidade como risco crescente e ainda mais preocupante quando se olha para a infância. Como o que causa câncer não é de exposição imediata, é algo que se desenvolve com o correr dos anos, a criança exposta ao excesso de peso corre riscos ainda maiores de desenvolver a doença na fase adulta”, alerta Tatiane Rios, nutricionista do Núcleo de Oncologia da Bahia (NOB).

 

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Prova disso se vê nos resultados de um estudo norte-americano que acompanhou um grupo de mulheres – divididas entre obesas e não obesas – dos 12 aos 50 anos. “Percebeu-se que o risco de câncer de mama em obesas na infância era até duas vezes maior”, revela Dr. Robson Moura, cirurgião oncológico. Como desdobramento, elas também foram avaliadas aos 18 anos e concluiu-se que aquelas que se mantiveram acima do peso desde pequenas apresentavam risco de câncer de mama 2,8 vezes acima das demais. “Vale ressaltar que o câncer de endométrio também guarda profunda relação com a obesidade. Ou seja, desde a infância, entrando pela adolescência, o controle de peso entre as mulheres é extremamente”, ressalta.

A falta de controle com a alimentação torna-se ainda mais grotesca quando se fala em fiscalização. A ausência de uma vigilância atuante torna possível a comercialização de produtos cuja composição apresenta substâncias potencialmente cancerígenas como os xenobióticos – caso dos agrotóxicos – e alguns corantes. Ainda que a legislação estabeleça limites máximos desses produtos nos alimentos, segundo Tatiane, a indústria não os respeita e os órgãos responsáveis por fiscalizar o mercado não atuam da forma que deveriam.

“Tais alimentos podem levar ao câncer, independente da pessoa ser obesa ou não. Mas, aliados à obesidade, ampliam as chances de desenvolvimento da doença”, concorda Graziela.

Terapêutica nutricional

Para as nutricionistas, a qualidade e a quantidade de alimentos são fundamentais para garantir a saúde da população, inclusive de pacientes com diagnóstico já firmado. De acordo com as profissionais, pacientes bem nutridos respondem melhor aos tratamentos. Mas tudo depende da localização da doença e do tipo de tratamento. A partir deles é que adota-se uma prática alimentar para manter um bom estado nutricional. Os protocolos de um câncer gástrico são muito distintos daqueles adotados em neoplasia de mamas, por exemplo. “No primeiro caso lutamos para que o paciente não perca peso, já que naturalmente isso irá acontecer, enquanto no segundo sabemos da forte influência do estrógeno no desenvolvimento da doença. E esse hormônio aumenta com a presença de gordura abdominal na pós-menopausa”, exemplificaTatiane.

Mas em hipótese alguma podemos falar de alimentos com propriedades ‘curativas’. “Nenhuma dieta cura o câncer sem outro artifício terapêutico”, salienta Graziela, que lembra o caso do jornalista Marcelo Rezende, que abandonou os tratamentos convencionais e adotou a dieta cetogênica como alternativa para a cura. “O que temos são alimentos ricos em substâncias bioquimicamente ativas, chamados fitoquímicos, que ajudam muito na recuperação do estado nutricional e numa resposta multinflamatória. E um organismo menos inflamado responde melhor à quimioterapia, à imunoterapia, à hormônioterapia. A nutrição entra como apoio importantíssimo na terapêutica médica adotada contra o câncer”, completa.

Prevenção

A mudança desse cenário passa, sem sombra de dúvida, pela prevenção. E isso significa reeducar a população. As nutricionistas defendem que o assunto deveria ser tratado nas escolas, como educação formal, tomando como base o Guia Alimentar da População Brasileira, lançado em 2014 e premiado como um dos melhores do mundo.

Muitas das recomendações contidas na publicação vão ao encontro do que defende Dr. Dan Waitzberg, Professor Associado do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da universidade de São Paulo (FMUSP), especialista em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral. “Estima-se que existam na natureza milhares compostos bioativos alimentares capazes, de forma isolada e principalmente em conjunto, favorecer a saúde e prevenir doenças como o câncer.”, afirma.

De acordo com o livre-docente, o alto consumo de frutas e hortaliças, por exemplo, está associado com efeitos benéficos a saúde, e esses efeitos tem sido particularmente atribuídos ao alto conteúdo de polifenois, particularmente flavonoides. Estudo mostra que população brasileira consumo médio de quase 70g de frutas e hortaliças, baseado no consumo de 12 alimentos considerados típicos. “A Food and Agriculture Organization (FAO), entretanto, recomenda 400g ao dia”, salienta . 

O professor destaca, ainda, protetores para prevenção de diversos tipo de câncer:

  • Polifenóis – presente em frutas, hortaliças, sementes oleaginosas, ervas aromáticas e especiarias, cacau 70%
  • Carotenóides – pigmentos vegetais responsáveis ​​pelos tons vermelho, amarelo e laranja em muitas frutas e legumes
  • Ácido graxo ômega 3 – encontrado em peixes, sementes de chia e linhaça e nozes
  • Café
  • Fibra dietética - grãos integrais, frutas, hortaliças e nozes

No frigir dos ovos (sem gordura!), estamos falando de comida de verdade! “Invertemos os valores e passamos a consumir muitos industrializados. Chegou a hora de prestarmos atenção no fato de que a população está adoecendo muito por doenças preveníveis. Tem a frase de uma amiga que eu gosto muito: 'descasque mais e desembale menos’. Para viver melhor e mais, sem doença, é necessário ter uma atitude mais saudável com a gente", finaliza Graziela.